RAFAEL SAES, THE WALKER ONE

ARTIGOS | 01/04/2016

A fotografia de projetos sociais inspira pessoas ao redor do mundo; conheça o projeto “Wauk” e seu captador de sonhos, Rafael Saes.

Uma ruela em um canto de uma cidade ou um campo aberto no meio da natureza. Um foco bem preparado, uma câmera apontada e a mente aberta para o mundo. Uma vontade incomparável de não parar. Não parar de fotografar, conhecer, viajar… Andar. Porque é o movimento que transforma.

Rafael Saes, natural de Maringá (Paraná), quis desbravar um pouco mais das fronteiras que já conhecia. Ele criou o “Walkers”, um negócio social que agrupa fotografias de culturas e viagens, afim de preservar 50% dos lucros para financiar outros projetos sociais com objetivo de auxílio.

Ele, que trabalha com fotografia autoral e de moda pensou que precisava ir além para satisfazer sua ânsia de mais. Falou com um colega que já tinha um negócio social (uma marca de camisetas chamada Hevp que também reporta parte dos lucros para projetos ao redor do mundo) e articulou com eles sua primeira viagem para fotografar os envolvidos. E o projeto foi tomando corpo… Mudando de forma e de nome.

“De “Walkers Project” passaremos a chamar apenas de “Wauk” (uma analogia a palavra Walk – caminhar/andar – em, em escocês, wauk significa “acordar” – ou seja, a essência do trabalho está em uma palavra com dois significados: caminhar e acordar). O caminhar é o ir e vir, sair da sua zona de conforto, conhecer novas realidades e com isso, acordar, se atentar para os problemas do mundo e não se acomodar ou ser alheio a isso tudo sabendo que com um pouco de esforço somos capazes de mudar para melhor a vida de algumas pessoas”.

O Rafa pegou todas essas sensações que escrevi no primeiro parágrafo e os fez de alavanca para este projeto pessoal, mas que envolve muuuuitas pessoas. Eu mesma, posso falar por mim: viajante nata (seja fisicamente – com bagagens e intercâmbios – ou mentalmente – pensando e miraculando sobre as questões da vida). Vi em Rafael algo que acredito ter em todo ser humano. Este instinto de conhecer outras cultuas, de registras outras histórias, de viver um pouco de outras vidas está em todo ser. Ainda que não totalmente desperto, a seiva corre por dentro e alimenta o corpo e alma. Mesmo para aqueles que não veem em projetos sociais algo tão deslumbrante e inspirador, a vontade de “tocar” e ser “tocado” por algo mais profundo está ali.

Ele não me disse, na entrevista, mas tenho a impressão de que o projeto “Wauk” é a busca pela essência do ser – de capturar, procurar entender e observar o outro simplesmente pelo o que ele é, puro e belo. Vamos ver se você concorda comigo tanto nas fotografias quanto nas palavras de Rafael Saes nesta entrevista:

Monike: Rafa, você deu a cara pra bater e foi acompanhar uma marca Hevp mundo afora. É preciso curiosidade, coragem e… O que mais para conseguir colocar em prática um sonho assim? Como foi essa entrada nesse mundo fantástico da fotografia de viagem?

Rafael: Na verdade eu não encaro como fotografia de viagem, mas sim como foto documental. Desde 2012 eu viajo pra outros países pra conhecer novas culturas, me inserir no cotidiano e assim conseguir fotografar a essência dos lugares. Até metade de 2015, eu tinha como foco a foto de rua, mas isso mudou.

Pra você entender como eu me inseri na fotografia documental, foi mais ou menos assim: no meu dia a dia, eu trabalho com fotografia de moda. Um belo dia, estava organizando meus HD’s e resolvi fazer uma limpa em trabalhos antigos. Quando me dei conta, estava apagando arquivos em RAW de inúmeros trabalhos porque nunca mais iria precisar daquelas fotos. Foi aí que eu tive um insight: “OPA! Essas fotos não me têm mais valor, a não ser o comercial para o momento que fiz. Ou seja, não faz diferença pro mundo, não é um registro documental, não tem valor histórico”.

Foi aí que eu comecei a me questionar muito sobre o que queria para o meu futuro, pois até então o meu objetivo tinha sido alcançado, que era viver da fotografia de moda e fotografar na rua por puro hobby. Foi aí que eu resolvi conversar com o Lucas [Emmanuel Rodrigues], da Hevp (www.hevp.com.br). Mostrei meu interesse com a foto documental e me ofereci pra começar a acompanhá-lo nas doações que a marca fosse fazer. Era uma troca, ele me apresentaria para os lugares pobres e necessitados, eu poderia começar meu trabalho documental e daria as fotos pra ele usar pra divulgação. A princípio, a ideia inicial era irmos para o Maranhão, onde a Hevp faria uma doação para 80 crianças que dependem do trabalho no lixão para sobreviver. Alguns contratempos não permitiram a nossa ida pra lá, mas nesse meio tempo surgiu uma grande oportunidade de irmos para o Nepal, dois meses após os terremotos de abril de 2015 que assolaram o país. Quando surgiu essa chance, eu não cogitei, encarei como um investimento de vida e um pontapé inicial pra que um dia eu chegasse onde estava almejando a partir daquele momento.

Monike: O projeto “Walkers” tem uma pegada de tendência de mercado e marketing social, que, além de viabilizar financeiramente algum projeto, também traz uma contra-partida para a comunidade. Como funciona especificamente o “Walkers”? / Como ele nasceu?

Rafael: Com a ida ao Nepal, muita coisa mudou, tanto na minha vida pessoal como na minha vida profissional. Em momento algum eu abandonei o meu trabalho no estúdio com a foto de moda, pois é o meu ganha pão, meu sustento. Porém, eu comecei a me indagar mais e mais sobre o que fazer com o material que havia produzido no Nepal.

A gente foi, fez alguma diferença para as pessoas de lá, causamos um impacto social no local e depois aqui no Brasil com a divulgação das imagens, mas e aí? O que mais eu poderia fazer? Foi então que eu comecei a planejar e estruturar um novo empreendimento. O Walkers Project, até então, era apenas um projeto de fotografia de rua, sem pretensões, e então eu comecei a modelar tudo isso e transformar o Walkers em um negócio social.

Passei a comercializar quadros com as minhas fotos e a doar 50% do lucro que conseguisse arrecadar. Assim, eu tornaria viável o negócio e não dependeria de doações. A ideia disso tudo é pra que um dia eu não depende mais de investir dinheiro de uma empresa na outra, ou seja, fazer meus cachês com moda pra poder investir em viagens pro negócio social.

Mas como toda empresa, no começo você precisa de um investimento e eu ainda continuo investindo recursos próprios pra que o Walkers dê certo. É um projeto de longo prazo. Agora, com a ida para a Etiópia e para o Quênia em janeiro/fevereiro de 2016, amadureci ideias, troquei muitas figurinhas com o Lucas (Hevp) e dei um novo passo. Agora, deixou de ser um projeto pra ser um negócio social de fato. Estamos agora em fase de mudança de marca e reestruturação.

De Walkers Project, passaremos a chamar apenas de Wauk (uma analogia a palavra Walk – caminhar/andar – em, em escocês, wauk significa “acordar” – ou seja, a essência do trabalho está em uma palavra com dois significados: caminhar e acordar). O caminhar é o ir e vir, sair da sua zona de conforto, conhecer novas realidades e com isso, acordar, se atentar para os problemas do mundo e não se acomodar ou ser alheio a isso tudo sabendo que com um pouco de esforço somos capazes de mudar para melhor a vida de algumas pessoas. Em breve vamos inaugurar uma plataforma online, um tipo de e-commerce mas com cara de site de fotografia.

Através desta plataforma é que vamos comercializar os quadros com as fotos feitas tanto em países pobres como em países ricos, mas sempre com a finalidade de doar 50% do lucro para pessoas que necessitem de algum tipo de ajuda ao redor do mundo. Nosso foco é causar impactos positivos nas comunidades que ajudarmos e incentivar o estudo das crianças, inspirado no modelo de doações da Hevp, grande parceira que eu tenho.

Monike: Outra pergunta ainda, sobre o projeto é sobre rentabilidade. Muitos projetos artísticos tem buscado essa vertente como (vamos arriscar) apoio ou ancoragem. Fotógrafos, artistas plásticos, produtores de moda… Muitos deles têm desbravado esse novo caminho de Economia Criativa e de forma de ver o mercado e a arte. Como você vê todas essas relações?

Rafael: Ao meu ver, realmente é um tema em alta e a ser explorado. Eu encontrei uma maneira de viabilizar o Wauk, que é encarar como uma empresa, que visa lucro sim, pois sem lucro ela torna-se inviável, mas que destina parte desse lucro para pessoas necessitadas. Além disso, a empresa tem algumas vertentes a seguir e, uma delas, é a entrada em editais de incentivo a cultura promovidos pelo Governo (federal, estadual ou municipal). Vê onde quero chegar? Com um único empreendimento eu posso explorar tanto a área comercial (venda dos quadros), como as áreas de fomento a cultura. De quebra, ainda existem inúmeros concursos mundiais em que o trabalho de fotografia documental que estou desenvolvendo se enquadra para participar. A ideia é não depender de doações, como uma ONG, mas sim ser algo sustentável a longo prazo e que tenha recursos próprios para sobreviver no mercado.

Monike: Seu projeto fala, além de todo apelo do projeto em si, de pessoas. A fotografia de pessoas inspira porque identifica, mesmo que culturas totalmente diferentes. Como tem sido viver e registrar diferentes personalidades? O que é preciso (tecnicamente e emocionalmente) para a realização deste trabalho?

A experiência de adentrar em culturas totalmente distintas e distantes da nossa, conviver com as pessoas destes locais e entender mais do mundo é algo indescritível. A cada encontro, uma nova história, um novo aprendizado, novas inspirações. É muito diferente fotografar de forma aleatória pelas ruas quando comparo com as experiências que tive a partir do contato direto com as pessoas. Você começa a entender as reais necessidades de cada lugar e não consegue mais ficar alheio a isso. Não é simplesmente andar, fotografar, virar as costas e ir pra casa, sabe? Fotografando cenas do cotidiano na rua, muitas vezes é assim, apenas o cotidiano, uma vertente da fotografia mas onde me camuflo para passar despercebido. Com a inserção na vida das pessoas, o trabalho atinge outro patamar.

Para executar o meu trabalho, desde o princípio eu coloquei uma coisa em mente: eu não posso me impressionar/deslumbrar com nada, nem com coisa boa nem com coisa ruim. Se eu cair nesta armadilha, meu papel não vai ser bem desempenhado porque vou ficar “cego” para o que realmente importa. Você precisa ter um bom psicológico pra encarar certas situações mas sempre ter em mente que não podemos ser alheios a isso tudo. O meu estado de espírito conta muito na hora de fotografar, porque dependendo de como eu estou, minha observação pode ser tendenciosa, entende? Por isso é muito importante o preparo, o estúdio prévio do lugar pra onde você tá indo, pra que não haja um choque grande e o trabalho não seja prejudicado. Em questões técnicas, prefiro não falar muito pois não sou muito técnico, nunca fui. Pra mim, o feeling conta muito mais do que a técnica. Cada fotógrafo tem sua linguagem e suas fontes de estudo e isso vai fazer a foto de cada um ser diferente da do outro. Tratando de equipamentos, eu viajo com pouca coisa, não utilizo flashes, levo geralmente apenas uma lente fixa e uma segunda câmera mais discreta pra determinadas situações, também com apenas uma lente fixa.

Monike: E por fim: fotografia de viagem… Parece até simples demais falar de viagem sobre seu projeto. Mas hoje a fotografia é muito mais comum e habitual a todos muito devido à popularização da fotografia executada em viagens e expedições. O ser humano quer mostrar sempre algo novo, algo diferente. Para você, até agora, quais foram os locais mais inspiradores desta trip sem fim?

Rafael: Realmente a fotografia é algo muito presente na vida da maioria das pessoas nos dias de hoje. Todo mundo tem um pouco de fotógrafo dentro de si. Enquanto muitos ficam reclamando que o público geral se “acha” fotógrafo, eu já penso diferente. Acho que quanto mais pessoas se interessarem pela fotografia, melhor pra todos nós que trabalhamos com isso, pois o mercado fica cada vez mais em ascensão e se torna cada vez mais valorizado.

Sobre os locais inspiradores, acho que é a pergunta mais difícil de todas! Cada lugar tem sua particularidade. Se eu for hoje pra um lugar que visitei há 3 anos, com certeza vai ser bem diferente por conta da fase que estou vivendo, entende? Pra mim, a inspiração está no dia a dia, na evolução constante como pessoa e como profissional. Pra mim, o dia de hoje é o mais inspirador, porque se eu focar sempre no próximo destino pra me inspirar, eu vou esquecer de viver o hoje, a vida vai passar e eu vou estar sempre “correndo atrás” da inspiração, seria como uma busca sem fim, por isso eu foco muito no dia de hoje.

Monike: E por último, como inspirar outros amadores e fotógrafos a colocar o passaporte em uso, câmera com obturadores prontos e fotografar mundo e culturas afora? (temos medo e inseguranças que uma sociedade pautada pelo trabalho e pelo capitalismo sofre…)

Rafael: Essa é uma questão MUITO interessante. Por que digo isso? Porque eu já me acostumei com alguns comentários, inclusive de amigos, dizendo: “O Rafa só viaja…” “O Rafa tá com a vida ganha…” “O Rafa tá rico!” “Queria ter o trabalho do Rafa…”. Isso tudo é muito vago, sabe? Comentários sem sentido algum. Só eu sei do quanto eu já abri mão e ainda abro pra poder viver dessa forma. Muita gente gosta de trocar de carro todo ano ou a cada dois anos, gostam de ir a praia passar férias de final de ano todo santo ano, gostam de acumular imóveis e coisas materiais, muitos escolheram casar cedo e ter filhos. Eu nunca critiquei a escolha de ninguém, então eu acho que não devem criticar as minhas escolhas nem tecer comentários vazios sobre o meu estilo de vida. Só eu sei o que preciso passar pra conseguir viver dessa forma e isso, sinceramente, só diz respeito a mim. Como incentivo as pessoas que buscam viajar para fotografar, a minha dica é que a viagem sempre tenha um propósito que, por favor, não seja ganhar curtidas no Instagram, no Facebook ou em qualquer outra rede social. Devemos nos questionar: por que eu quero viajar? Por que eu quero ir pra determinado lugar?

A questão financeira pesa sim pra muitas pessoas, assim como pra mim, mas é como eu disse, tudo é questão de prioridades pra vida. Eu vivo de forma muito simples, não sou consumista nem apegado a coisas materiais, isso me ajuda a direcionar o meu dinheiro para outras coisas, como por exemplo, viagens. Hoje eu encontrei uma forma de monetizar o trabalho que desenvolvo nestas viagens, mas ainda dependo totalmente dos recursos próprios pra financiar tais. E sim, pra mim, são como investimentos pra vida.

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Conheça mais sobre Rafael Saes e o Projeto Wauk:

www.instagram.com/rafaelsaes
www.rafaelsaes.com
www.facebook.com/waukphoto
www.wauk.com.br (ainda em construção)

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Be brave and gentil,

Monike Luize Schlei Furtado
Jornalista

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